domingo, 26 de janeiro de 2020

casa dos mortos

pela fresta da janela, são quase duas da manhã, pela fresta da janela eu consigo ver de longe um feixe de luz na casa dos mortos. já minha casa tem luzes baixas como são as luzes das casas dessas que eu encontro nos meus sonhos.

quando eu era criança, desenhava a planta da casa que sonhava com o lápis da escola. um apartamento com banheiro, sala, quarto, cozinha e lavanderia. eu desenhava também os porta-retratos e quadros de fotos de família, todos de uma forma possível de serem escondidos para dentro das paredes quando recebesse visita dos meus pais. e passava horas criando justificativas para aquela uma cama de casal. por muitas anos essas paredes por dentro foram a minha casa. as vezes ainda encontro pedaços de cimento no meio dos cabelos.

quando eu era criança e ia pra escolinha já entendia que alguma coisa acontecia comigo. gostava de açúcar e de brigar. fazia contas e arremessava abacates nos meninos. uma vez encontrei uma aranha caranguejeira debaixo da minha mesa. fiquei paralisado - sentindo sangue bater na minha cabeça. contei pra professora e ela disse que eu estava mentindo. tive a primeira crise de pânico da minha vida: tinha uns cinco anos. depois a professora encontrou o bicho e cuidou de mim.

fui um adolescente triste, hoje sou um homem com uma grande dificuldade em me haver com o silêncio. escutava rufus wainwright e já me apaixonei por homens que aranhas, por homens, uma vez enfiei um espinho de peixe na garganta, foi antes de ter sido vegetariano por quase dez anos. então queimei minha perna e meus pés, enfiei a mão em um portão que fechava, aluguei dois apartamentos ao mesmo tempo enquanto morava em um outro. fechei o olho e sonhei com alguém que me arrancava os cabelos. fechei o olho e pensei em quantas vezes aquele amigo, que hoje ronda novamente, foi desleal e violento comigo.

osório é um homem mal e sórdido. sempre tive dificuldade de perceber isso, por conta dos bichos deitados na cama dos meus três primos, naquele copo de suco de laranja, osório, tinha veneno. y la culpa no era mia. terror é silêncio e meu corpo. amarraram um elefante aos pés de uma cruz verde e ele morreu sem ser cuidado. por ali, três homens me carregaram para fora de mim mesmo, osório. fui e voltei da casa dos mortos, e agora vejo a casa dos mortos deitado da cama do meu apartamento.

looking at hospitals
feeling as helpless as the elephant man
wish you were here to chain up
without shame
in my arms tonight