terça-feira, 26 de maio de 2020

bóia frio do texto, trovador apaixonado, cançonetista, apanhador de arrepios e acrobata” pl

segunda-feira, 4 de maio de 2020

olhos fechados - olhos abertos

não conheço as coisas que não vejo
e já vi muitas coisas que não queria
desde muito cedo
apertei tanto os meus olhos que machuquei minhas retinas
um médico me disse que se não parasse de apertá-los
ficaria cego e cobri os buracos os olhos com as mãos, mas me fizeram abrir
em todas as vezes que os homens fizeram
estive com os olhos abertos
olhei o teto, as paredes do banheiro, a cama do beliche, o escuro, por dentro do travesseiro, uma estrada chuvosa, uma mancha na parede do quarto, o dia nascendo numa janela emperrada, de noite no carro, com medo na rua,
a luz morna de carnaval em copacabana,
uma casa gelada de sítio,
a praça do arsenal no recife antigo.

fora desta minha casa
e dentro dela

não conheço as coisas que não vejo
e já vi muitas coisas que não queria
desde muito cedo
tenho tido olhos tão abertos
um estado permanente de alerta
e cansaço que
aprendi a olhar no passado
e no presente, cobrir o futuro com as mãos

que a cegueira é um convite tentador
mas que em mim quero forças de segurá-la às crinas
não conheço as coisas que não vejo
e já vi muitas coisas que não queria
sinto que duelam ferozmente em mim
desferem contra meu desejo de voltar a ver
mas que
olhos abertos
de voltar a olhar
ainda que através de óculos pares de lentes como filtros
que estou aprendendo - as vezes eu esqueço
proteção, auto-cuidado, circulação de energia afetiva

poder mirar o futuro
de olhos abertos.