sábado, 29 de fevereiro de 2020

tantas coisas que não entendo
e que estão dentro de mim
debaixo de montanhas de sal
e de água você se preocupa com
os meus soluços essas visitas que recebo
e te contam que as coisas
não vão bem
que ando sem pai nem
mãe
e que meu corpo está machucado

estou ouvindo billy joel
do meu lado não tem ninguém
ainda que estejamos trocando cartas
pelas nossas vozes elas são narrativas
de um amor vivido desde os cantares
olho para o lado e penso como
é possível

hoje é o dia que vencemos a rotação
a translação e todas as forças, o tangível
do que existe e do que não existe
e diante disso que é enorme
me vejo tão pequeno dentro de mim há um sentimento
imenso:
vastidão
e amor, sangue

sonhei com o terror
e acordei aos prantos
de vergonha
penso em raspar os cabelos
e vagar vestido apenas com um
saco
por terra na cabeça no rosto
enfiar terra nos buracos dos olhos
enfiar espinhos e sementes misturadas
com água e sal

que estou de passagem
e cada vez que penso nisso
um susto e alívio



montanhas de sal

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

ganimedes

sentir o sol pela manhã
mesmo que chova
abrir bem os olhos e ver
o que ilumina, que está lá,
astro rei, senhor
e brilha sobre mim
mesmo que chova

cantar canções de liberdade. cantar sobre as feridas, molhar as plantas, salgar a pele quente com novas canções de alegria. assaltar a razão, escolher novos nomes, acatar o amor e com ele alimentar as crianças, afagar os velhos, com as crianças e os velhos aprender novas canções de liberdade.

acatar o desconhecido com gratidão. o que não sei é além. apesar de tudo, o desconhecido é um saco de sementes. caminhar pela noite para que o varar da manhã me traga terra. reverberar água, da minha cabeça saem dois rios mas são outras as águas que germinam o desconhecido. salgar as sementes mas permitir que germinem, que do desconhecido brote o renovo.

-------

"o coração é uma semente inventada em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia" - h. helder

-------

me dizem que jupiter vive como se não confiasse no sol, como que pegasse ganimedes e seus irmãos pelas mãos e ensinasse que há que se estar de olhos bem abertos, que cultivar um permanente estado de alerta, orbitar sem deixar de encarar. jupiter me alimenta os músculos rígidos, descansa meu corpo sem me tapar os olhos. me põe de pé, me bota em expansão, em coragem, ousadia. me bota em vigília mas me arranca entrega. me faz encarar o caminho como se encara o sol: aponta a flecha ao futuro e o arco ao passado, ao mesmo tempo e em mim.